Localizado na cidade de Setúbal, o Museu do Trabalho Michel Giacometti é um espaço cultural de referência em Portugal que presta homenagem à herança laboral e etnográfica do país. Num edifício com história, este museu nasceu da visão do etnomusicólogo corso Michel Giacometti, que percorreu o país a recolher testemunhos da cultura popular e das condições de vida das classes trabalhadoras. Neste artigo, exploraremos em profundidade a história do museu, as suas coleções, bem como a importância cultural e educativa que este espaço representa para a comunidade e para o património português.
Michel Giacometti: Um Legado Etnográfico e Cultural
Michel Giacometti, nascido na Córsega em 1929 e falecido em 1990, foi uma figura singular no panorama cultural português. Apesar de não ser natural de Portugal, a sua ligação ao país foi profundamente marcada por um amor genuíno pela cultura tradicional e pelo modo de vida das populações mais humildes. Chegou a Portugal nos anos 50, e desde então dedicou a sua vida à recolha da música popular, dos instrumentos tradicionais e, sobretudo, das expressões culturais do povo trabalhador português.
Ao longo de décadas de trabalho de campo, Giacometti percorreu aldeias, fábricas, minas e comunidades piscatórias, registando sons, cânticos, ofícios e modos de vida que estavam em vias de extinção. O seu trabalho foi essencial para preservar um património imaterial que, de outra forma, se teria perdido com a modernização do país. Publicou diversos álbuns e documentários que continuam a ser uma referência nos estudos etnográficos em Portugal, como parte do projeto Arquivos Sonoros Portugueses.
O Museu do Trabalho Michel Giacometti surge, assim, como a materialização física do seu trabalho de conservação e estudo. Inaugurado em 1995, este espaço é antes de mais um lugar de memória, mas também de educação e sensibilização para as condições laborais, sociais e culturais de muitos portugueses ao longo do século XX. Estabelecido nas antigas instalações da Fábrica de Conservas Perienes, o edifício em si representa também uma peça do património industrial português.
O Museu em Setúbal: Coleções, Exposições e Missão
O Museu do Trabalho Michel Giacometti encontra-se estrategicamente instalado num edifício industrial do início do século XX, que funcionou como fábrica de conservas até à década de 1970. Esta escolha não é meramente prática: ela traz consigo uma forte carga simbólica, reforçando a missão do museu de dar voz aos trabalhadores e preservar a memória dos espaços de laboração.
Uma das principais atrações do museu é a exposição permanente dedicada à indústria conserveira, que permite ao visitante compreender todo o processo desde a captura do peixe até ao seu enlatamento. As antigas instalações da fábrica foram cuidadosamente reabilitadas, mantendo muitos dos equipamentos originais — máquinas, recipientes e ferramentas — que ajudam a criar uma experiência imersiva. Além disso, existem materiais audiovisuais e testemunhos orais que enriquecem a visita, proporcionando um contexto humano e emocional a este percurso industrial.
Outra vertente essencial do museu prende-se com a coleção etnográfica recolhida por Michel Giacometti ao longo de décadas. Esta inclui objetos do quotidiano, ferramentas agrícolas e industriais, trajes de trabalho, instrumentos musicais tradicionais e gravações sonoras de grande valor histórico e cultural. A abordagem do museu combina o rigor académico com a acessibilidade ao público em geral, promovendo o conhecimento sobre tradições locais, modos de produção e expressões culturais.
A programação do museu inclui ainda exposições temporárias, oficinas, colóquios e projetos educativos direcionados a vários públicos. As escolas, por exemplo, têm à sua disposição visitas guiadas adaptadas aos diversos ciclos de ensino, assim como atividades interativas que incentivam os mais novos a entender a importância do trabalho, da história e da identidade cultural.
Do ponto de vista institucional, o museu desempenha também uma função relevante enquanto centro de investigação e conservação patrimonial. Colabora com universidades, centros de estudos e associações culturais, reforçando o papel dos museus como instrumentos de cidadania e memória coletiva.
É igualmente importante destacar que, num contexto em que muitos vestígios da industrialização portuguesa têm sido destruídos ou ignorados, o Museu do Trabalho Michel Giacometti assume-se como uma das poucas instituições dedicadas à museologia do trabalho em Portugal. A sua existência contribui para uma consciência histórica mais profunda sobre as condições sociais que moldaram o país, e oferece um contraponto importante às narrativas centradas apenas na aristocracia, arte erudita ou grandes feitos políticos.
De notar ainda que a sua localização em Setúbal, cidade com forte tradição operária e conserveira, reforça o diálogo entre o museu e a população local. Muitos dos objetos expostos foram doados por antigos trabalhadores ou pelas suas famílias, tornando a coleção uma narrativa partilhada, construída por quem viveu essas realidades.
Para quem visita Setúbal, o Museu do Trabalho Michel Giacometti representa mais do que uma atração cultural: é uma oportunidade de refletir sobre a riqueza da cultura popular portuguesa e sobre o valor da memória coletiva. Ao entrar nas suas salas, o visitante entra também num universo feito de sons, cheiros, texturas e vozes que contam a história não oficial do país — aquela que foi tecida pelas mãos dos que trabalharam anonimamente.
O museu está aberto ao público durante todo o ano e dispõe de um serviço de acolhimento acessível, bem como de uma loja onde é possível adquirir publicações, álbuns e objetos ligados à temática abordada. A autarquia de Setúbal, responsável pela gestão do espaço, tem investido na modernização das suas infraestruturas e oferta digital, incluindo visitas virtuais e recursos educativos online, tornando o museu ainda mais acessível e inclusivo.
Em suma, o Museu do Trabalho Michel Giacometti não é apenas um ponto de interesse turístico, mas sim um pilar da museologia social em Portugal. É um tributo à vida, ao esforço e à criatividade dos trabalhadores anónimos que constroem a identidade de um país. A sua visita não deixa ninguém indiferente, permitindo ao visitante sair com uma perspetiva mais enriquecida sobre o passado recente e o valor da memória no presente.
O Museu do Trabalho Michel Giacometti é, portanto, muito mais do que um simples acervo de objetos antigos; é um espaço vivo que nos convida a pensar sobre quem somos e como o trabalho moldou a nossa cultura. Ao homenagear os trabalhadores e dar-lhes uma voz, este museu preserva não só uma parte crucial da história portuguesa, mas também promove a inclusão e o reconhecimento de realidades muitas vezes esquecidas pela história oficial. Se visitar Setúbal, não perca a oportunidade de conhecer este museu extraordinário — um verdadeiro testemunho da alma trabalhadora de Portugal.